quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

No tempo da revolução


por João Francisco de Borba (diretamente de Itajaí-SC)

Bolinho!” “Bolinho!”
Eram os olhos do Billie brilhando em direção à estufa onde estavam os tão cobiçados bolinhos. Chamar de bolinhos talvez fosse um elogio. Na verdade, eram bolas do tamanho das de tênis, às vezes mais avermelhadas, às vezes mais pretas, e, às vezes, ainda, num tom acinzentado que causava desconfiança de toda a turba que freqüentava o Tulipa. Alguns dias, alguém mais endinheirado ou compadecido do Billie até comprava um “bolinho” e lhe dava. Afinal, o cachorro – um vira-latas enorme – fazia parte da casa e da família. Mas, na maioria das vezes, os bolinhos eram mesmo para alimentar aquela galera faminta, alcoolizada, e barulhenta que freqüentava o bar em frente à Universidade.
Ali discutia-se desde a política cambial dos tigres asiáticos até a campanha para o Diretório Central dos Estudantes, o DCE. Esse, aliás, era o principal assunto. Ou ele, ou as pessoas que faziam parte dele, ou as suas metas, ou seus propósitos conquistados ou aqueles que nunca saíram do papel.
 O Tulipa era o reduto de todos os pseudo intelectuais, políticos, poetas, romancistas, e alienados dos mais diversos cursos, correntes ideológicas e opções sexuais.
Naquele corredor de 2x2, que dava para uma sala um pouquinho maior, na qual duas mesas dividiam espaço com outra de sinuca, o mundo era discutindo em meio a uma fumaça contínua de cigarro, altas doses de batida de maracujá e bolinhos de carne, coxinhas de galinha e pastéis gordurosos.
Havia dias em que os mais empolgados esqueciam-se da aula e ficavam por ali, discutindo a sua parcela de contribuição para com a humanidade. Mas, na maioria das vezes, o Tulipa era para o antes, o durante, e o depois. Eu explico. O antes era por volta das 19 horas, para ver quem estava no boteco, encontrar o pessoal, quem sabe dar uma “equilibrada” com uma dose de conhaque e então partir para a sala de aula. O durante era entre 20h30 e 21h15: o intervalo. É claro que o
intervalo não era tão grande, mas não custava nada sair um pouquinho antes “pra ir lá no Tulipa encontrar o pessoal e fazer um lanche” e quando se chegava, sentava e a conversa ficava tão interessante, era difícil sair, assim, na hora certa do reinício da aula, sem antes concluir aquele pensamento tão importante, aquela sentença original que podia fazer a diferença na história da política brasileira. Quiçá, mundial.
O depois, é claro, era o melhor horário. Nesse momento começava-se discutindo a performance medíocre ou entusiasmada do professor e depois então partia-se para os três porquinhos: Marx, Engels e Weber. Nesse debate acalorado fazíamos revoluções, mudávamos a ordem mundial e saíamos, invariavelmente, cambaleantes e satisfeitos, de madrugada.
O Tulipa existia. Era o dono do boteco. É claro que esse não era o seu nome, mas nós nunca ficamos sabendo qual era o verdadeiro. Nunca freqüentou uma universidade, pelo que se sabia. Mas com certeza conhecia toda a problemática da sociedade, o código civil, os principais dilemas da História, das Letras, da Economia e de todas as áreas do conhecimento. De tanto ouvir aqueles jovens empolgados. Provavelmente, o Tulipa devia se perguntar – por sua experiência como anfitrião – por quanto tempo duraria tanto entusiasmo. Ou não. Quem sabe, com aquele ar sério e compenetrado de “dono da casa”, o Tulipa na verdade também se envolvesse naquelas discussões tão quentes quanto inúteis.
E assim passávamos os dias, ou as noites. E não pense que não estudávamos. Ao contrário. Muitos professores, jornalistas, advogados, contabilistas e tantos outros profissionais estão agora no mercado de trabalho, vivendo pacientemente na luta capitalista, com uma pontinha de saudade do tempo em que entre um bolinho e uma batida de maracujá, botava-se ordem no mundo.


4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Mais uma coisa: o nome do Tulipa é Airton. Tem uma comunidade no orkut que o Sandro (lembra? Ele trabalhava lá, era novinho...), filho dele, abriu. Chama-se Tulipa (Airton).

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  3. Precisamos encontrar por aqui um Tulipa com urgencia.

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  4. Vale lembrar que quando a gente pedia pro Tulipa pendurar a conta ele sacava uma pasta que ficava debaixo do balcão e mostrava as contas que ele tinha pra pagar e estavam atrasadas e tal... até entristecia a gente. Muitas vezes pedíamos dinheiro emprestado de alguém pra pagar rsrsrs. Que figura!

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Muito agradecida!