por João Francisco de Borba (diretamente de Itajaí-SC)
“Bolinho!”
“Bolinho!”
Eram
os olhos do Billie brilhando em direção à estufa onde estavam os
tão cobiçados bolinhos. Chamar de bolinhos talvez fosse um elogio.
Na verdade, eram bolas do tamanho das de tênis, às vezes mais
avermelhadas, às vezes mais pretas, e, às vezes, ainda, num tom
acinzentado que causava desconfiança de toda a turba que freqüentava
o Tulipa. Alguns dias, alguém mais endinheirado ou compadecido do
Billie até comprava um “bolinho” e lhe dava. Afinal, o cachorro
– um vira-latas enorme – fazia parte da casa e da família. Mas,
na maioria das vezes, os bolinhos eram mesmo para alimentar aquela
galera faminta, alcoolizada, e barulhenta que freqüentava o bar em
frente à Universidade.
Ali
discutia-se desde a política cambial dos tigres asiáticos até a
campanha para o Diretório Central dos Estudantes, o DCE. Esse,
aliás, era o principal assunto. Ou ele, ou as pessoas que faziam
parte dele, ou as suas metas, ou seus propósitos conquistados ou
aqueles que nunca saíram do papel.
O
Tulipa era o reduto de todos os pseudo intelectuais, políticos,
poetas, romancistas, e alienados dos mais diversos cursos, correntes
ideológicas e opções sexuais.
Naquele
corredor de 2x2, que dava para uma sala um pouquinho maior, na qual
duas mesas dividiam espaço com outra de sinuca, o mundo era
discutindo em meio a uma fumaça contínua de cigarro, altas doses de
batida de maracujá e bolinhos de carne, coxinhas de galinha e
pastéis gordurosos.
Havia
dias em que os mais empolgados esqueciam-se da aula e ficavam por
ali, discutindo a sua parcela de contribuição para com a
humanidade. Mas, na maioria das vezes, o Tulipa era para o antes, o
durante, e o depois. Eu explico. O antes era por volta das 19 horas,
para ver quem estava no boteco, encontrar o pessoal, quem sabe dar
uma “equilibrada” com uma dose de conhaque e então partir para a
sala de aula. O durante era entre 20h30 e 21h15: o intervalo. É
claro que o
intervalo não era tão
grande, mas não custava nada sair um pouquinho antes “pra ir lá
no Tulipa encontrar o pessoal e fazer um lanche” e quando se
chegava, sentava e a conversa ficava tão interessante, era difícil
sair, assim, na hora certa do reinício da aula, sem antes concluir
aquele pensamento tão importante, aquela sentença original que
podia fazer a diferença na história da política brasileira. Quiçá,
mundial.
O depois, é claro, era o
melhor horário. Nesse momento começava-se discutindo a performance
medíocre ou entusiasmada do professor e depois então partia-se para
os três porquinhos: Marx, Engels e Weber. Nesse debate acalorado
fazíamos revoluções, mudávamos a ordem mundial e saíamos,
invariavelmente, cambaleantes e satisfeitos, de madrugada.
O Tulipa existia. Era o
dono do boteco. É claro que esse não era o seu nome, mas nós nunca
ficamos sabendo qual era o verdadeiro. Nunca freqüentou uma
universidade, pelo que se sabia. Mas com certeza conhecia toda a
problemática da sociedade, o código civil, os principais dilemas da
História, das Letras, da Economia e de todas as áreas do
conhecimento. De tanto ouvir aqueles jovens empolgados.
Provavelmente, o Tulipa devia se perguntar – por sua experiência
como anfitrião – por quanto tempo duraria tanto entusiasmo. Ou
não. Quem sabe, com aquele ar sério e compenetrado de “dono da
casa”, o Tulipa na verdade também se envolvesse naquelas
discussões tão quentes quanto inúteis.
E assim passávamos os
dias, ou as noites. E não pense que não estudávamos. Ao contrário.
Muitos professores, jornalistas, advogados, contabilistas e tantos
outros profissionais estão agora no mercado de trabalho, vivendo
pacientemente na luta capitalista, com uma pontinha de saudade do
tempo em que entre um bolinho e uma batida de maracujá, botava-se
ordem no mundo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMais uma coisa: o nome do Tulipa é Airton. Tem uma comunidade no orkut que o Sandro (lembra? Ele trabalhava lá, era novinho...), filho dele, abriu. Chama-se Tulipa (Airton).
ResponderExcluirPrecisamos encontrar por aqui um Tulipa com urgencia.
ResponderExcluirVale lembrar que quando a gente pedia pro Tulipa pendurar a conta ele sacava uma pasta que ficava debaixo do balcão e mostrava as contas que ele tinha pra pagar e estavam atrasadas e tal... até entristecia a gente. Muitas vezes pedíamos dinheiro emprestado de alguém pra pagar rsrsrs. Que figura!
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